terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Natal

"Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.
Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
'Stou só e sonho saudade.
E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei...!"

É um texto triste e melancólico, eu sei. Mas sempre lembro desse poema de Fernando Pessoa, especialmente os primeiros versos, quando o Natal está próximo. Não sei que conexão essas palavras encontram com a minha vida, em que momento se deu essa conexão, mas está lá. E uma coisa e outra me levam à infância, que é o terreno onde o Natal parece sempre ter sido perfeito. Mesmo para um garoto que teve a infância pobre como eu, o Natal sempre foi mágico. Mesmo que mal pudesse ganhar dos pais um carrinho de bombeiro ou uma roupa nova. Em oposição ao sentimento nos versos de Pessoa, toda a lembrança que eu tenho da infância nessa época do ano é um negócio bom, iluminado, para cima. A religião explica em parte, mesmo sabendo que minha família nunca foi religiosa ao extremo. Mas é uma influência óbvia a mistura de celebração religiosa e profana nessa época.

Mas o meu entusiasmo com o Natal pode ser explicado, por exemplo, pelo fato de que eu criança tinha um exército de outras crianças como eu para brincar e bricávamos muito, o dia inteiro, em ruas que não ofereciam o perigo que hoje oferecem. Pelo menos nós e nossos pais tínhamos essa ilusão. Então, no final do ano, verão na cidade, férias da escola, era bom demais explorar mil e uma brincadeiras. No Natal era tudo melhor, porque a maioria de nós estava com brinquedos novos e era o momento de maior movimento. Quem não tinha brinquedo novo, usava a criatividade, improvisava, se unia a quem tinha e por aí vai. Toda a ciançada da vizinhaça se unia, era uma agitação sem fim.

Um pouco maior, com um pouco mais de idade, as coisas eram ainda mais saborosas. Éramos crianças maiores, fazíamos festa, saíamos em grupo, ouvíamos música, vivíamos loucos atrás das menininhas que viviam loucas atrás da gente. Nesse início de vida adolescente, vivíamos mais o desejo do que a realização desse desejo. Poucos de nós conseguiam um beijinho de uma garota (e os poucos que chegavam lá tornavam-se heróis da turma). O Natal, como outras épocas festivas, era regado a muito refrigerante e só bem depois começamos a encher a cara de cerveja e bebidas mais fortes.

Nada que tenha vivido entre a infância e a adolescência se aproxima do clima de neve que caracteriza o Natal europeu e americano do norte. Porém, os filmes, desenhos e especiais de TV, em que éramos viciados, impregnavam nosso cérebro de imagens geladas e paisagens que não eram a nossa. Porém, tudo fazia parte de um imaginário e se atrelava à idéia do Natal. Por isso, mesmo em nossa quente temperatura e sem nenhuma relação com gelo, eu, como outras tantas crianças, nos acostumamos com essa cultura do Natal que não é nossa, mas passou a fazer parte como se nossa fosse.

Não me incomodo com isso. Há tantas coisas que tomamos como nosso e tem origens tão distantes. O mais bacana do processo todo é que na deglutição desses símbolos que nos chegam em algum momento, sempre entregamos algo de nós e devolvemos uma coisa diferente do original. Nunca acreditei em dominação cultural da forma como alguns querem interpretar. Acredito muito em fusão, em troca. E acredito que uma tradição de centenas de anos, que é aceita, cultuada e repetida, não pode ser reduzida à imposição do mais forte ao mais fraco simplesmente. Sempre achei esses processos mais complicados, maiores que as explicações rasteiras que costumamos ouvir por aí.

Gosto do Natal, gosto da parte religiosa da coisa e também da farra. E não vejo nenhum problema em o comércio lucrar nessa época.

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