quarta-feira, 30 de março de 2011

Abundância

Estou meio desconfiado de "Viva o povo brasileiro". São muitas páginas de poesia e redundância. Em quase todas as frases de Ubaldo, ele enfeita de tal forma o período com palavras e expressões de ênfase que se um editor resolvesse ir "limpando" os parágrafos, o livro seria bem mais magro. Acho um defeito. Sei que é um clássico e li muito pouco ainda (cento e poucas páginas). Bom, mas a parte boa é que nos trechos onde o livro é grande, de fato temos algo excitante e rico. Em muitos casos, isso ocorre justamente por essa, digamos, "abundância" do autor. Por falar em excitante, são incríveis as partes libidinosas do romance. Aliás, Ubaldo já havia mostrado muita maestria em contruir história concupiscente, basta ver o que fez em "A casa dos budas ditosos" (embora este livro tenha vindo bem depois de "Viva o povo...). Acho que a leitura está valendo a pena e nem me passa pela cabeça abandonar. Mas entendo quem não chegou até o fim. Não é livro para qualquer um - e isso não é necessariamente um elogio à obra.

quinta-feira, 24 de março de 2011

A linguagem é trabalhada, as palavras são bem escolhidas, de tal sorte que o conjunto faz um efeito impressionante sobre o leitor. Estou falando das primeiras páginas de "Viva o povo brasileiro", livro de João Ubaldo Ribeiro que estou a ler. O que quero registrar rapidamente é o seguinte. Toda essa prosa bem feita é usada para fazer graça. Isso mesmo. Estou nas descrições que o autor faz sobre canibalismo. Ele não chega a usar essa palavra. Mas é hilário como descreve um tal caboclo comendo portugueses, espanhóis e franceses que aparecem por essas bandas. Cheguei a ficar enjoado com a descrição dos pratos que os nativos fazem com as partes dos europeus capturados. Churrasco, ensopadinho, temperado no leite de coco e por aí vai. Esses episódios se situam no século XVII. O livro começa em 1822 e volta no tempo. Pelo que entendi, ele fará essa alternância até o final. Por enquanto, uma delícia de livro.

terça-feira, 22 de março de 2011

Ubaldo

Mal terminei "O jornalista e o assassino", emendei um livro que queria ler há muito tempo. Chama-se "Viva o povo brasileiro", clássico de João Ubaldo Ribeiro. Temos esse livro há um bom tempo. Dei de presente pra Eloá e fiquei no desejo de ler em seguida. O que me deixava preguiçoso (confesso) era o estilo das primeiras linhas, algo meu barroco, abusando de imagens e palavras inusuais, estranhas até. E eu ficava imaginando o que seria escalar essa montanha textual que se espalha por quase 700 páginas. Agora que li o primeiro capítulo, estou entusiasmado. Primeiro, porque rapidamente nos acostumamos ao estilo. Segundo, porque o tom algo barroco vai se desfazendo e a linguagem vai tomando uma forma mais assemelhada àquela dos textos habituais de Ubaldo. Terceiro, porque uma vez que se pega o embalo, é fácil e prazeroso surfar as imagens que vão aparecendo. Esse primeiro capítulo, apesar do tema um tanto quanto épico, é pura poesia. Acho que tenho uma divertida escalada pela frente.

Sobre jornalismo

Terminei o livro "O jornalista e o assassino", de Janet Malcom. A primeira coisa de tudo, é que é um puta texto. E é também uma boa demonstração de como se constrói argumentos em favor de uma assertiva. Janet enuncia sua tese e vai apresentando, tijolo por tijolo, as peças que fizeram ela chegar até lá. A conclusão não é boa para os profissionais da área, diz que jornalistas usam conscientemente a boa fé de suas fontes em proveito próprio (dele, do jornalista).

Penso que é uma afirmação que tem uma consistência maior aplicada ao pano de fundo dos Estados Unidos. Por lá - e diferente daqui - não são poucos os profissionais que vivem de escrever livros de não-ficção, longos artigos e reportagens que exigem o contato continuado com pessoas diversas. Esse é um mercado forte naquele país que, penso, só se fortaleceu depois que estes best-sellers passaram a também movimentar sets de filmagens.

O livro de Janet toma como tema a relação jornalista-fonte. A história que a inspirou causou grande repercussão nos Estados Unidos. Um médico bem sucedido é condenado pelo assassinato da esposa grávida e das duas duas filhas. Um conhecido jornalista decide escrever um livro sobre o caso. Consegue acesso irrestrito ao condenado, tornam-se íntimos, tratam-se como amigos, trocam correspondência, uma relação que dura mais de quatro anos.

Quando o livro é publicado, o médico esperava uma obra dedicada a apresentar sua versão dos fatos e afirmar sua inocência. Não é o que acontece. O livro descreve o médico com termos fortes e não tem dúvidas de sua culpa. Palavras como "frio", "cínico" e "doente" são algumas das mais leves que aparecem ao longo do texto.

Como se poderia esperar, o médico processa o jornalista. O livro de Janet acompanha o caso, examinando por diversos ângulos essa relação.

É uma boa discussão. E muito mais complexa do que parece à primeira vista. Apesar da tentativa de fazer um relato honesto - exitoso, na minha opinião -, não há dúvida de qual é o lado de Janet. Sua tese, nas primeiras linhas do livro, não deixa margem à dúvida. E é muito interessante acompanhar sua trajetória.

É curioso como, com frequência, a autora abandona o relato de sua matéria para compartilhar com o leitor as dúvidas e crises que foram a assolando pelo caminho. O posfácio também é parte importante da obra, embora seja um relato à parte, e dá espaço grande a essas reflexões da autora.

Foi um dos melhores livros sobre a atividade do jornalista que me chegou até as mãos.

domingo, 20 de março de 2011

5x Favela

Muito interessante o filme "5x Favela", produção de Cacá Diegues, mas realizado integralmente por profissionais que também são moradores dessas comunidades no Rio de Janeiro. São cinco episódios de mais ou menos 20 minutos cada um. Como sempre acontece nesses casos, uns são melhores que outros. Gostei especialmente do primeiro, "Fonte de Renda", do quarto episódio, "Deixa Voar", e do último, "Acenda a luz". Mas em todos há situações interessantes e algum aspecto que atrai positivamente - o que faz do conjunto um trabalho que merece atenção.

quarta-feira, 16 de março de 2011

O jornalista e o assassino

"Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para perceber o que está acontecendo sabe que o que ele faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie de confidente, que se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas." O trecho é de um livro bacana que comecei a ler: "O jornalista e o assassino", de Janet Malcolm. A questão da ética e a liberdade de imprensa no jornalismo estão em foco. O caso é o de um jornalista que fez um livro com a história de um médico condenado pela morte da mulher e filhas nos Estados Unidos. Depois de o livro publicado, o médico processa o jornalista. Estou nas primeiras páginas, porém já está claro que é um bom livro, e muito bem escrito.

domingo, 13 de março de 2011

Minhas mães e meu pai

Um bom filme esse "Minhas mães e meu pai", de Lisa Cholodenko. Nem sou o maior admirador da Juliane Moore, mas aqui ela faz um par com a Annette Bening realmente interessante. Elas duas formam um casal com dois filhos, o que é apresentado no início do filme como uma família harmônica. Os jovens são fruto de inseminação artificial do mesmo doador. O problema é que o pai, que era um doador anônimo, aparece na história. Não é difícil imaginar que as coisas se complicam muito para todos. Gostei muito desse filme. A filha do casal é a "Alice" Mia Wasikowska, de quem gosto muito e que já está uma moça crescida - diferente de sua época de "In Treatment" ou mesmo no recente filme de Tim Burton.

sábado, 12 de março de 2011

Busca implacável

Não sei explicar porque a gente gosta de filme porrada, aqueles em que o herói sai batendo geral nos bandidos, num processo à la "Desejo de Matar", cult com o Charles bronson. Existem zilhões de filmes desses, claro. Porém, alguns conseguem arrumar as coisas de tal forma que mesmo falando a mesma coisa, repetindo os clichês que já conhecemos, conseguem ser instigantes. Sei que muita gente torceu o nariz para o filme "Busca implacável", ação com um inusitado Liam Neeson de herói vingador. Eu mesmo fui um desses. Há meses vejo o filme na prateleira da locadora, vi que é bem locado e tal. Mas o enredo não me estimulava nem um pouco. Menos ainda a capa em preto e branco com o Neeson empunhando uma arma, olhar compenatrado. Depois de ouvir o quanto fez sucesso e o quanto as pessoas estavam comentando (não a crítica especializada, mas os caras como eu que botam um blog e se danam a falar dos filmes que vê), depois dessa repercussão fiquei curioso. É um filme cuja ação não pára e talvez justamente isso seja um mérito. Há filmes que se valem pelo que são. Liam Neeson faz bem ao filme, é bom ator, nos poucos momentos em que não está socando vilões, não há constragimento com suas expressões de pai preocupado. O filme lembra o filão de filmes de vingança do passado, mas acena também para coisas bem recentes como a franquia Bourne e a série 24 horas. Gostei de perder meu tempo. Sem falar que o filme, que tem 90 minutos, termina antes que a gente encha o saco.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Coração louco, entre outros

Vi uns filminhos esse carnaval. Muito menos do que gostaria e, dos que vi, apenas a minoria me agradou de fato. O que mais me chamou a atenção foi "Coração Louco", de Scott Cooper, um drama musical (existe esse gênero?) com dois atores de que gosto muito: Jeff Bridges e Maggie Gyllenhaal. Bridges faz um ídolo de música country tão talentoso quanto beberrão. Ele é um andarilho. Viaja de cidade em cidade fazendo shows que pagam pouco, dinheiro que ele não se importa em torrar no uísque. Depois de muita coisa errada na vida, quase consegue se aquietar ao lado da personagem de Maggie Gyllenhaal. Mas o alcoolismo não é facil de vencer. Um susto envolvendo bebida faz ele ter um grande revés. O episódio é forte de tal forma que serve também à sua redenção. De certa forma, é um filme como mil outros de personagens que começam torto e passam por uma experiência que vai deixá-los melhores. Ainda que previsível, não tem como não gostar de Bridges que faz um trabalho inspirado. E de Maggie, sempre bem em cena. E, por fim, a trilha sonora que ajuda muito a gostar desse "Coração louco".

Vi ainda "A rede social", que é muito bom, tem ritmo, conta uma boa história. O filme se passa em duas linhas de tempo, linhas que vão se encontrar no final. Gosto desse jogo, alternando cenas hora no presente (quando ele está sendo processado), hora no passado (quando é narrada a criação da sua rede social). O garoto (Jesse Eisenberg) que faz um gênio dos tempos modernos é bem convincente no papel. Aquele longo texto inicial já diz muito do que veremos no resto do filme, que tem bons diálogos. Outro filme, "A caixa", que achei que seria um terror daqueles, é apenas um filme médio no início que vai piorando muito até o final. "A viagem de Chihiro", vencedor do Oscar, achei um saco. Minha filha parece entender mais das coisas, ela ficou hipnotizada do começo ao fim. Já "Ninja assassino" produzido pelos irmãos Wachowski, é um filme com muito sangue, que tem seu charme, embora a história não empolgue tanto quanto suas coreografias e seqûencias de luta. "Sem reservas", vi pela segunda vez para gostar ainda mais. "Operação Valquíria" não empolga tanto quando achei que poderia. Com uma boa história na mão, Bryan Singer prometia mais. Não é ruim, mas não é bom. O elenco cheio de atores conhecidos é apenas ok. "De repente, Califórnia", tinha lido várias críticas elogiosas sobre este filme. Não me interessou tanto. É mais um trabalho politicamente correto, com final feliz. Se substituir o casal gay por um hétero é uma trama bem sem graça. O suspense sobrenatural "Caso 39" tinha tudo para ser bom. Não é. Até a metade, ele engana bem. O final é decepcionante (melhor ver "A orfã", uma obra com mais estilo). "Paranóia" só não irrita se você não espera nada dele. É um dos duzentos filmes que abusa da premissa do clássico "Janela Indiscreta". Por ouro lado, "A troca" é muito bom em muitos aspectos, a começar pela atuação de Angelina Jolie (muito criticada). Não está entre os melhores filmes de Clint Eastwood, na minha modesta opinião, mas não é um filme ruim. Assiste-se com muito interesse até o final. E tem uma reconstituição de época bem feita, como é comum nessas produções.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Histórias

Gosto da fluência do livro de Eduardo Bueno ("Capitães do Brasil - A saga dos Primeiros Colonizadores") sobre as primeiras tentativas de colonização do país. Já estou chegando ao final da leitura, e o balanço é mais positivo que negativo. Em geral, o livro é muito bom. O problema é a multiplicidade de histórias e de personagens. Há inúmeras situações saborosas que valeriam uma narrativa a parte. Sei que isso não se resolve facilmente. Porque o enredo central é a macro narrativa, e não daria para espremer em 200 e poucas páginas uma ocupação que, numa primeira fase, durou décadas - não sem correr e pular fatos menos relevantes para um determinado recorte. Não há um único personagem ou grupo aos quais seguimos do começo ao fim. O mérito de Bueno talvez seja manter o interesse, independente das tramas apresentadas. Há um milhão de pontas, histórias fascinantes que gostaríamos de saber mais (a chegada do tabaco no país? os selvagens Goitacá? os estrangeiros que se converteram em nativos do novo mundo? as primeiras vilas? as incríveis guerreiras Amazonas? a esposa nobre que se estabeleceu em Pernambuco e aqui teve três filhos? os primeiros engenhos de açúcar?). Não faltam boas histórias que poderiam render livros curiosos sobre a vida no Brasil nesse período. Não duvido que no futuro teremos mais lançamentos sobre esses personagens e fatos "menores". Isso sem a mão pesada da história da minha época de escola, que dava mais ênfase aos "heróis" e datas.