segunda-feira, 27 de abril de 2009

O pastel e o sonho

Esse era o nome de um conto de meu irmão, que não sei se ele ainda guarda. É um trocadilho entre esses alimentos e a história de um cara que come um pastel, pega um ônibus e lá dorme e sonha. Acho que é mais ou menos isso. Uso o título dele para falar outra coisa que tem a ver com pastel e esse outro tipo de sonho. Eu imaginava que certas coisas são fruto de um mundo inacessível. A feitura de pastéis, por exemplo. Pastéis remontam à minha infância. Eu nunca, quando era novo, imaginei que seria capaz um dia de criar com as próprias mãos algo que começa com poucos ingredientes (um pouco de farinha de trigo, ovo, água, uma colher de óleo, outras duas de aguardente) e se transforma em... infância. Sabe a animação "Ratatouille", quando o crítico experimenta o prato e volta no tempo para a sua época de criança (que é uma referência à obra "Em busca do tempo perdido", de Marcel Proust)? Pois aconteceu comigo. Fiz pastéis esse fim de semana. Antes, explico que a aventura não foi fácil como eu supunha.

Bater a massa é tranquilo, basta ter cuidado na hora de ir acrescentando a água morna. A dificuldade que encontrei foi deixar a massa bem finininha e ir colocando o recheio. Tive que ter paciência quando o rolo abria pequenos buracos na massa ou quando ela grudava na mesa, apesar da farinha. E sempre sobrava um pouco de massa e mais um pouco, que ia se acumulando. No fim, fiz a grande besteira de ir colocando os pastéis crus um em cima do outro. Eles começaram a grudar uns nos outros. Nessa hora tive uma raiva que quase jogo tudo fora. Mas respirei. Desgrudei o que foi possível. E ainda sobrou uns vinte pastéis que dava para fritar. Nessa hora, veio a boa surpresa. Os pastéis incharam, dobraram de tamanho e ficaram lindos depois de secos. Quando vi a primeira leva de pastéis na bandeja secando, todos lindinhos, fiquei muito feliz mesmo. A recompensa: estava uma delícia. Comer pastéis quentinhos é tudo de bom. Minha filha adorou, acompanhou tudo, passo-a-passo, chegou a botar a mão na massa um momento. Fiz dois tipos de recheio: carne e soja. Percebi que com a prática vai dar para ir pegando a manha. De cara, comi uns seis.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

United States of Tara

United States of Tara, uma nova série (estreou em janeiro), escrita por Diablo Cody, a autora de "Juno", causa estranhamento à primeira vista. Não sei se gostei, embora ache que a Toni Collette (de "Pequena Miss Sunshine"), que é ótima, deita e rola em uma interpretação que domina a trama. É o tipo de programa que só poderia funcionar com uma atriz de muitos talentos, com vários coelhos na cartola. A história é a de uma família, cuja mãe (Collette) tem múltiplas personalidades, entre elas a de uma adolescente sexy e a de uma lésbica com trejeitos de macho. As mudanças de personalidades me pareceram rápidas demais, mesmo para um episódio piloto. É o tipo de programa moderninho, cheio de maneirismos e localizada - é o que parece - em uma pequena cidade americana. O tipo de série descolada. Acho que só dá para formar opinião melhor com mais alguns episódios.

Pode escrever o caralho aí

"Ministério Público é o caralho! Não tenho medo de ninguém. Da imprensa, de deputados. Pode escrever o caralho aí." Ciro Gomes, deputado federal

Tenho simpatia pelo Ciro Gomes. Há um histórico complicado na sua relação com jornalistas. Ciro tem boca suja, não engole provocação e fala o que pensa, mesmo que crie saia justa para aliados e problemas para ele mesmo. O que não é nada bom para um virtual candidato à presidência. Há uma implicância nítida de alguns profissionais de imprensa com ele. Bem fácil, as coisas esquentam. Mas esse post não é para falar disso. Minha cabeça estava mais na cobertura política dessa última semana. O bate-boca dos ministros do STF, a questão das passagens aéreas no Congresso e, claro, o noticiário antecipado sobre a movimentação para as eleições de 2010. Nossos políticos não são santos. Menos ainda a nossa imprensa. Eu sou jornalista. E favorável à imprensa livre. Mas acho que há exageros e muito "maria vai com as outras" na cobertura da imprensa. Muito legítimo pegar no pé de autoridades, se há razão para tal. Mas se comportar com generalismo e como se ela, a imprensa, fosse inimputável é complicado. Qualquer crítica à abordagem dos meios de comunicação é tratada como um absurdo, como algo fora de lugar e, não raro, rechaçada com veemência. Ora, a cobertura dos veículos ao mesmo tempo que é míope em relação a muito do que acontece no país, especialmente fora dos grandes centros, por outro lado é excessiva, repetitiva, em relação a determinados temas. Sem falar que sua relação nebulosa com o poder é um dado da realidade que põe suspeita sobre muito do que é veiculado. Não sou bobo de achar que as coisas que são veiculadas atendem ao estrito e digno interesse público. É bem mais complicado que isso.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

A vida como ela é

Graças ao bom Eduardo, colega do trabalho, estou revendo os episódios de "A vida como ela é". São pequeninas histórias de Nelson Rodrigues, levadas à TV por Daniel Filho, em 1996. O material é de muito boa qualidade, filmado em película, com uma gostosa trilha e boa narração de José Wilker. Os episódios contam com um ótimo elenco, que é seu ponto alto. A seleção de atrizes é campeã, todas bem jovens à época, fazendo os tipos rodriguianos: Cláudia Abreu, Gabriela Duarte, Débora Bloch, Giulia Gam, Isabela Garcia, Maitê Proença e Malu Madder são as que eu lembro o nome de cabeça. Todas de roupinha de época, aquele sotaquezinho e tirando a roupa episódio sim e o outro também. Tenho certeza que a série foi feita pensando em mim. Uma delícia.

Deu no New York Times

Estou gostando de ler "Deu no New York Times", livro que reúne reportagens do correspondente americano Larry Rohter. O livro está dividido por temas. O primeiro é "cultura", o segundo é "sociedade", onde estou, mas tem outros como "política nacional", "política internacional" etc. A obra de Rother permite uma abordagem democrática, é possível encontrar motivos fartos para elogio e para meter o pau. Particularmente, gosto de sua reflexão sobre o país, seus comentários antes de cada capítulo que mostram tanto o interesse quanto o desgosto de um estrangeiro por nossas coisas. Não dá para concordar com tudo que ele fala. Seria louco se atestasse suas teorias sobre o atraso do país que ele contrapõe com bons exemplos americanos (ou europeus e japoneses), ignorando a história. Mas é bom ver como funciona esse olhar de fora, esse espanto.

As suas reportagens são irregulares, algumas bem bacanas, outras superficiais. Como jornalista gosto de ver como ele constrói o texto e a forma como vai estruturando as matérias. Alguém falou esta semana que nosso jornalismo de TV e de jornal é um dos melhores do mundo. Não conheço o mundo todo mas desconfio, pelo que leio aqui e ali, que temos profissionais realmente muito bons. Voltando a "Deu no NYT", estou curioso para chegar ao episódio que rendeu sua quase expulsão do país, quando ele fez uma matéria falando sobre o gosto de Lula pela bebida. Foi sua matéria mais polêmica em décadas como correspondente. E é bem provável que o tenha ajudado a vender esse livro (inclusive atraindo o interesse de editores). Não é à-toa que há um bom pedaço do livro com o título "Lula e eu".

Educação sexual

Estava vendo na TV esses debates sobre como conversar sobre sexo com as crianças e pensei no que ocorre lá em casa. Não é porque eu sou pai, mas minha filha é uma das mais inteligentes garotinhas que eu conheço (nem falo do charme e beleza naturais). O fato é que vez ou outra me vem com perguntas desconcertantes. Eu entreguei à Eloá a missão de explicar as questões mais cabeludas. No passado, achei que seria um pai moderno e desinibido. Planejei que sobre tudo falaria com minha filha e não existiria assunto proibido. Quando eu era criança, fingíamos, pais e filhos, que certas coisas não existiam (falo de sexo, obviamente). Da porta para fora, no entanto, havia uma escola e o aprendizado era diário, mesmo torto. Meninos maiores falavam sem frescura na frente dos garotos menores e íamos absorvendo aquele conteúdo. Com pouco tempo dava para juntar o quebra-cabeça e estávamos feitos em matéria de educação sexual (sem falar na ilustração de revistas para maiores de 18). Hoje, com tanta informação circulando nos meios oficiais, ainda assim é bem difícil tratar certos tópicos. Mas Eloá está se saindo muito bem. Até eu aprendo com ela. Outro dia ela me repreendeu porque presenciou minha filha me questionando. A pequena me perguntava se "gay era mulher que gosta de mulher". Eu disse "não". Com ares de professor, expliquei que mulher que gosta de mulher é jacaré. Eloá gritou de lá: "A-d-mil-son!". Eu falei: ok, corre lá que Eloá te explica. Ela saiu resignada: "você é muito besta, viu, meu pai".

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Pancake

Ontem foi dia de inventar panqueca ou pancakes como chamam os americanos. Adoro panquecas e tinha timidez de fazer eu mesmo as minhas. Ontem achei uma boa oportunidade. Eloá foi a uma palestra sobre imigração internacional à noite e não deu tempo de comprar pão. Todos gostamos de pão lá em casa, mas eu passo muito bem sem ele. Eloá, não. O que fazer? Naquele horário, mais de oito da noite, não se acha pão em lugar nenhum próximo, nem fresco nem macho. Achei que Eloá ia gostar de chegar em casa e encontrar belas panquecas esperando por ela. Tinha os ingredientes básicos para a massa: farinha de trigo, leite, ovo e queijo para ralar. Me paramentei, dobrei a manga da camisa, peguei o avental e fui para o fogão. A primeira panqueca saiu perfeita, fininha, gostosa, ótima cor. Eu virei o lado com uma espátula e tudo correu perfeitamente bem. O problema é que na segunda eu empolguei. Fui tentar virar o lado jogando pra cima com a frigideira. Ela subiu meio metro e voltou para quase se esborrachar, torta, dentro da panela. Não se esborrachou, mas sofreu rachaduras em três partes. Depois que eu coloquei o recheio e fui tentar enrolar, ela se partiu ao meio. Ficou uma bonitona e a outra, feia, seccionada. Paciência. No recheio, precisei improvisar, mas não acho que me sai mal. Suei, no azeite doce, meia cebola ralada com tomate cortado em pedaços pequeninos. Trouxe a mistura para um prato onde juntei duas colheres de requeijão cremoso, um bocadinho de lascas de queijo, orégano, pimenta e uma pitada de sal. Eloá chegou da rua faminta, como sempre ocorre, e devorou as panquecas com satisfação. Foi bonito de ver.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Fim da revista SET

Leio que a revista SET acabou por causa da saída da editora Peixes. Uma pena. Não que a SET fosse tão excelente assim, eu tinha minhas (muitas) observações sobre a revista. Mas era uma publicação dedicada, com gente que conhecia o traçado, e muito material exclusivo - o que é um feito em tempos de internet. Se o seu forte não era o seu conjunto de críticas, salvo uma ou outra matéria mais elaborada, ela ganhava pontos pela abrangência e pelo espaço que também dava a produções nacionais e aos chamados cult/clássicos. Não era só blockbuster, mesmo que as capas fossem preponderantes nesse caminho. Seu público era aquele do cinema de entretenimento. E não há mal nisso. O consolo é que os jornalões - Folha e Estado - têm boas equipes e material digno. As revistas semanais, em geral, que trazem alguma coisa sobre cinema, deixa demais a desejar. Vamos aguardar que a SET ressurja pelo interesse de alguma editora. E que seja breve.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Sobre 1958 (e mau humor)

Sabe que até estou gostando de "Feliz 1958 - O ano que não devia terminar"? Falei mal da apresentação desse livro de Joaquim Ferreira dos Santos e fiquei com o pé atrás. Depois, fui me deixando levar e viajando com a narrativa. Ao contrário do que Marlla pensa, um começo ruim não significa que tudo a partir dali será uma merd...

Explico: eu fui à cerimônia do "Troféu Dodô e Osmar" outro dia e odiei ficar esperando com um pequena multidão, no calor, para entrar no Teatro Castro Alves, coisa nova. E o evento começou atrasado pelo menos meia hora (coisa novíssima). Nunca tinha ido ao Teatro Castro Alves para um espetáculo começar atrasado, desde a reinauguração, nos idos do governo de ACM. Não quero pensar no governador Jaques Wagner e em seu secretário de Cultura, Márcio Meireles (que é um cara simpático e bom diretor de teatro), como aqueles que fizeram o TCA retroceder à bárbarie. Mas fiquei puto de início.

E depois que a premiação dos melhores do carnaval baiano foi caminhando fui ficando mais puto ainda (só o Gerônimo travestido e aviadado me trouxe algum alento, alguma satisfação). Nem o show final de Gilberto Gil e Ivete Sangalo me convenceu. Gil é grande, um músico de tantos talentos, um cara genial, mas seu pocket show foi feito no piloto automático. Ao contrário do que escreveu alguns comentaristas imbecis, o problema não foi do repertório escolhido. Foi da absoluta frieza dos dois artistas. Marlla disse que eu não gostei da cerimônia, porque me chateei no início com o atraso, fui contaminado por um mal começo. Não foi por isso (apenas). Um começo ruim pode ser remediado sempre, desde que o que venha a seguir compense.

Voltando ao livro de Joaquim Ferreira dos Santos. Hoje entrei no táxi e fiz o que costumo fazer: saquei o livro e retomei a leitura. O taxista (ô raça que não consegue ficar sem tagarelar) perguntou que livrinho velho era esse que eu estava lendo, de 1958!, e deu uma gargalhada. Não deu para ter certeza, mas acho que ele quis ser engraçado. Só pode, não é possível ser tão idiota. Nem me preocupei em dizer que 1958 era só o título. O livro foi escrito 40 anos depois. Disse apenas um "eh" sem graça. Era um "eh" com o sentido de "vai se...". Mas não disse o que significava aquele "eh". Não faço essas coisas. Sou um rapaz educado.

Minha coleguinha de trabalho, Juliana, uma mina muito graçinha e uma inteligência superior, disse que eu estava muito mal humorado outro dia. Acho que ando meio mau humorado mesmo. Estou um pouquinho melhor, porque depois de "Viva 1958..." já tem um livro na fila. Um, aliás, que queria muito ler. Chama-se "Deu no New York Times", escrito pelo correspondente no Brasil do jornalão americano, Larry Rohter. Empréstimo de minha amiguinha Marlla. Gente boa.

domingo, 5 de abril de 2009

Panela nova, comida boa

Sérgio Reis pode não concordar. O fato é que comprei uma panela grande nova e achei que nada faria melhor estréia na moça que uma bela feijoada baiana. E arrumei a melhor assistente de cozinha que alguém poderia ter nos cinco continentes, minha própria filha. O resultado, coincidência ou não, foi excelente. Eloá disse que foi a melhor feijoada que já fiz até então (até hoje não sei se ela falou sinceramente ou se queria fazer as pazes já que estávamos meios estremecidos, o fato é que ficamos bem melhor depois dos elogios). Também tinha me prometido para esse fim de semana um dos clássicos da culinária de botequim, o bolinho de bacalhau. Descobri que dessalgar o bacalhau é um negócio que requer mesmo paciência, não adianta forçar a barra. Foi um fim de semana feliz, não poderia ser melhor.

Enfim, pão


Próximo à semana santa, as coisas acontecem. Basta um pouquinho de fé e paciência na hora de bater a massa. E saiu esse pão lindão, que eu um dia não me acreditava capaz. Eloá devorou quase um inteiro, mal esfriou. Estou todo, todo. Um pão gostoso, pesado, macio e com iogurte natural e passas na receita. Delícia!

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Estômago

Agradeço a Eduardo por essa. Muito, muito legal o filme "Estômago", do Marcos Jorge, com João Miguel à frente do elenco. Vi no último fim de semana, sozinho (Eloá preferiu "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain"). O filme de Marcos Jorge é o melhor que vi nos últimos tempos. Vejo muito filme e sou fácil de gostar, mas "Estômago", putz, supera as expectativas. É uma pequena obra-prima. Volto ao assunto depois.

Lembrança

Aí eu fumava quando dava na telha. Era mais de sarro. E sempre gostei de fazer coisas que insultam as patrulhas organizadas. E não há nada mais insuportável que as comadres (homens e mulheres) que berram, fazem discursos emocionados para você parar de fumar. Mesmo que você se isole, ache um buraco e fique lá tragando sozinho, não há perdão. Pior que o pessoal anti-fumo é o pessoal que reverbera contra o consumo de carne. Ô raça ruim. O cara não se contenta em fazer uma escolha para a vida dele, quer levar o mundo inteiro para o seu paraíso (mesmo que seu paraíso seja o inferno). Mas enfim, essas noites eram maravilhosas. Em minhas lembranças, há os porres homéricos, os papos incríveis. Salvador era diferente. Na época da faculdade, na verdade começou bem antes, tive a sorte de me bater com uns caras muito legais, loucos, uns amigos do peito que tenho até hoje. E era acolhido pela porralouquice, pela vontade de fazer cinema ou teatro, de ser um grande poeta, de fundar um movimento literário. Meu amigo Franklin dizia que com dois poetas já era possível fazer um grande barulho, pensávamos em Mário e Oswald de Andrade, creio. Nunca fui muito do Oswald, apesar de tudo o que ele significou para a tropicália e tal. E Cazuza, que gosto até hoje, musicou um poema do Oswald, "Balada do Esplanada", lindamente. Mas meu coração sempre foi do Mário. Recitava sozinho "Eu sou trezentos, sou trezentos e cinqüenta". Estávamos no ensino médio, em cursos técnicos, mas ninguém queria ser técnico nem engenheiro, o passo seguinte. Todos queríamos ser artistas. Os mecânicos, eletrotécnicos, instrumentistas, eletrônicos, químicos, todos queríamos ser cineastas, poetas, compositores, queríamos chutar o pau da barraca, fazer a revolução. E mesmo numa escola técnica, discutíamos mais política e cultura do que leis da física. Ninguém saiu ileso daqueles tempos.