quarta-feira, 1 de abril de 2009

Lembrança

Aí eu fumava quando dava na telha. Era mais de sarro. E sempre gostei de fazer coisas que insultam as patrulhas organizadas. E não há nada mais insuportável que as comadres (homens e mulheres) que berram, fazem discursos emocionados para você parar de fumar. Mesmo que você se isole, ache um buraco e fique lá tragando sozinho, não há perdão. Pior que o pessoal anti-fumo é o pessoal que reverbera contra o consumo de carne. Ô raça ruim. O cara não se contenta em fazer uma escolha para a vida dele, quer levar o mundo inteiro para o seu paraíso (mesmo que seu paraíso seja o inferno). Mas enfim, essas noites eram maravilhosas. Em minhas lembranças, há os porres homéricos, os papos incríveis. Salvador era diferente. Na época da faculdade, na verdade começou bem antes, tive a sorte de me bater com uns caras muito legais, loucos, uns amigos do peito que tenho até hoje. E era acolhido pela porralouquice, pela vontade de fazer cinema ou teatro, de ser um grande poeta, de fundar um movimento literário. Meu amigo Franklin dizia que com dois poetas já era possível fazer um grande barulho, pensávamos em Mário e Oswald de Andrade, creio. Nunca fui muito do Oswald, apesar de tudo o que ele significou para a tropicália e tal. E Cazuza, que gosto até hoje, musicou um poema do Oswald, "Balada do Esplanada", lindamente. Mas meu coração sempre foi do Mário. Recitava sozinho "Eu sou trezentos, sou trezentos e cinqüenta". Estávamos no ensino médio, em cursos técnicos, mas ninguém queria ser técnico nem engenheiro, o passo seguinte. Todos queríamos ser artistas. Os mecânicos, eletrotécnicos, instrumentistas, eletrônicos, químicos, todos queríamos ser cineastas, poetas, compositores, queríamos chutar o pau da barraca, fazer a revolução. E mesmo numa escola técnica, discutíamos mais política e cultura do que leis da física. Ninguém saiu ileso daqueles tempos.

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