segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Vísceras

Tem tempo isso, foi na época da faculdade. Enviei ao professor da disciplina "Estética" um comenário sobre o filme "De olhos bem fechados", de Kubrick. É preciso contextualizar. O filme tinha recém-estreado e as opiniões entre os críticos de cinema foram divididas. Muito não gostaram da última obra do diretor, que sequer foi integralmente finalizado por ele, que morreu antes. Para piorar a situação, a dupla de protagonistas eram os mega comerciais Tom Cruise e sua então esposa, Nicole Kidman. Acho que a má vontade da crítica especializada com o filme começou nessa escalação. Chamo de má vontade. Isso meio que antecipa que gostei - e muito - do filme. E gostei mesmo. Um dos meus colegas mais brilhantes de sala de aula detestou "De olhos bem fechados". Na época, a revista "Bravo!" era mais apreciada do que é hoje e tinha um movimentado fórum na internet. Lendo os comentários sobre o filme nesse espaço, vi lá um texto desse meu amigo detonando o filme. Não lembro bem os argumentos, sei que a certa altura ele dizia que o filme abandona o personagem mais interessante da história - o de Nicole Kidman - para seguir um Tom Cruise descompensado pelas ruas de Londres. Postei uma resposta meio raivosa, meio irônica (no fundo, apenas ansiosa). Também não lembro tudo o que falei, mas num trecho disse que ele - o colega - deveria fazer o próprio filme e dar a ênfase que quisesse aos personagens, percorrer os caminhos que achasse legítimo. Por isso que se usa para filmes como o de Kubrick o termo "autoral". Meu professor leu meu texto-resposta-ansiosa. E a princípio ficou calado. Eu me antecipei e disse. "Professor, o senhor sabe, na maioria das situações, eu não gosto de mostrar a cara. É raro emitir opinião em público ou em voz alta". Ele comentou: "Talvez fizesse bem você dar sua opinião mais vezes. Porque, você evita tanto mostrar a cara, que quando mostra, vai além e mostra as vísceras". Ele falou isso porque o texto era mais enfático que o necessário. Tinha uma carga de energia maior que o argumento pedia. Enfim, se fosse uma discussão, teria saído uma voz mais alta que a educação recomenda. Penso sempre nisso porque sou assim e não sou feliz desse jeito. Nesse fim de semana me meti numa discussão rápida, mas ilustrativa desse meu jeito. Tomei as dores de Dorival Caymmi que um amigo de meu irmão acusou de ser mau cantor. E meu irmão defendeu o amigo. Porque concordou com ele ou para explicar o que o outro dizia. Talvez o subtexto fosse "Ninguém aqui está dizendo que Caymmi não é grande. Mas não é Deus. Pode e deve ser apontado onde não funciona tão bem. É bom compositor e tal, mas canta como se tivesse uma tuba dentro da boca". Eu me vi metido em discussões que tive quando comecei a descobrir as coisas e conhecer o mundo. Muitos amigos intelectuais sentiam prazer em bater em medalhões porque isso parecia dar uma aura toda especial ao que eles diziam e a própria persona se revestia do mais alto espítiro cult, transgressor, elevado, especial. E aprendi desde cedo a me permitir gostar de tudo que batesse em meu espírito. Sem filtros. Não queria ser cult, transgressor, elevado, especial. Queria apenas me permitir gostar das coisas. Toda vez que as pessoas vêm com papo de bater em medalhão, penso nisso. Talvez exagere nessa coisa. E sempre que me pego nessas discussões, no dia seguinte acho tudo meio irracional. E acho que deveria ter ficado quieto. Não quero brigar com o mundo, nem ser o chato. Quero ficar na minha casca. Nem mostrar o rosto, muito menos as vísceras.

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