quinta-feira, 12 de março de 2009

Mais sobre "Asfalto..."

Não resisto e continuo um pouco mais no tema do post abaixo. Demorei um pouco com o livro "Asfalto Selvagem", de Nelson Rodrigues, porque tenho cá meus hábitos. Lia pedaços à noitinha, antes de dormir, e de manhã, antes do trabalho. Esses dias vinha dormindo mais tarde, hipnotizado pelos últimos lances da história.

Cada capítulo traz uma dinâmica, com pontos de tensão que vem e vão, e sempre, sempre termina com um gancho para a edição seguinte que vira a cabeça do leitor. Isso porque a conclusão é sempre em cima de um fato importante, crucial. Não se está falando de nenhuma novidade, óbvio. Essa é a essência do folhetim, da literatura publicada em jornal e que tem exemplos antecedentes fortes.

Não é o caso de tratar disso aqui. O que chama a atenção é que uma vez que o romance tem essa fragmentação, vira campo para Nelson fazer o diabo com seu texto e ele acaba tendo características de crônica política e policial, crítica/alusão à personalidades bem conhecidas (quantas vezes é citado o Otto Lara Resende?) e até crítica literária. Sabemos que Nelson não é flor que se cheire. Ele usa em "Asfalto..." sua munição, seu sarcasmo, seu veneno contra várias personalidades bem atuantes do Brasil à época em que o romance foi escrito. Sobra tiro até para o "gênio" Guimarães Rosa.

Há no romance um estudo de casos, com descrição de personagens com uma riqueza, com um detalhismo das reações, dos sentimentos, que é difícil ver por aí. O livro faz um desenho tão bem acabado dos personagens, visto com crueza, revirados nos seus pensamentos mais íntimos.

O juiz Odorico, cuja presença costura as duas etapas do romance, é um exemplo. O juiz é um dos perfis mais explorados da narração, com ele Nelson dá um banho de construção de personagem, pela complexidade, pela sutileza, pelo histrionismo.

Por outro lado, eu achei estranho que alguns personagens não tenham função nenhuma, zero, nos acontecimentos. Por exemplo, Engraçadinha tem três filhas e um filho homem. Duas das filhas (Arlete e Guida), do começo ao fim, não tem a menor importância para a trama. Não é estranho? Com o filho Durval e a filha mais nova, Silene, são outros quinhentos.

Dentro da ficção de "Asfalto...", os personagens também estão ali para que se fale da vida real. Os tipos servem de mote para que Nelson fale de uma série de situações, desde uso de cargo público em benefício próprio, troca de favores, extorsão, abuso de poder. Ele cita a igreja, políticos, polícia, família, tudo é alvo do olhar cru do escritor. É sobre esse pano de fundo, da realidade brasileira, que se dá todo o drama.

*

Depois de ler o livro "Asfalto Selvagem", repeti uma mania (um ritual?) que aprendi com meu irmão, que é reler as primeiras páginas ou o primeiro capítulo. Isso é bacana, porque a gente vê com outros olhos aquelas primeiras linhas, tudo passa a ter um sentido novo, diferente, maior. Nisso, não é que quase releio o livro todo de novo? Não dá, tem muita coisa que quero e preciso ler. E o tempo é curto.

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